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Writer's pictureJose Artur Fortunato

A inesperada ausência de inflação

Com a recente queda da taxa básica de juro (SELIC) a patamares nunca antes vistos em nosso país, grande parte dos economistas vêm demonstrando significativa preocupação com uma possível volta da inflação exacerbada. Dita preocupação deriva-se dos diversos mecanismos de transmissão que permitem com que a taxa de juro tenha influência sobre a inflação: o canal do câmbio, o canal o crédito, o canal do valor dos ativos e o canal das taxas de mercado. A fins de simplificação, todos estes canais, quando atuando sem obstruções na transmissão, influenciam a inflação no sentido inverso ao movimento da taxa SELIC. Ou seja, quando houver uma queda na Selic, deve ocorrer um aumento na inflação através de todos os canais de transmissão.


Contudo, o resultado da inflação para o mês de janeiro foi recentemente divulgado pelo IBGE e, apesar da preocupação generalizada com o índice, ele veio com seu menor resultado para o mês desde o início da série. Com isto, é relevante compreender os principais mecanismos de transmissão da política monetária e suas formas de atuação na economia Brasileira neste momento.



(Fonte: IBGE)


O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)


O IPCA é um índice que tem como objetivo medir a inflação de uma cesta de bens referente ao consumo das famílias cujo rendimento varia entre 1 e 40 salários mínimos. Temos no IPCA uma divisão de 9 categorias sendo estas: Alimentação e bebidas, Habitação, Artigos de residência, Vestuário, Transportes, Saúde e cuidados pessoais, Despesas pessoais e Comunicação. Cada uma destas categorias tem uma sensibilidade diferente aos canais de transmissão da política monetária por conta de suas características ímpares. Tomemos a categoria de transportes como exemplo, está tem grande parte de seu valor influenciado pelo valor do câmbio por conta da alta relevância de produtos importados na classe.



(Fonte: IBGE)


No mês de janeiro o Índice geral sofreu uma variação positiva de 0,21% tendo as classes que mais contribuíram para esta alta a de Alimentação (0,39), Habitação (0,55), Transportes (0,32) e Despesas Pessoais (0,35). A política monetária, através de seus canais de transmissão, tem potencial para impulsionar a inflação de todas classes, mas seus baixos resultados representam a incapacidade da SELIC de influenciar, ao menos no curto prazo, a inflação.


A preocupação com o canal do câmbio


A taxa de câmbio é um dos mais relevantes canais de transmissão da política monetária para a inflação, principalmente no Brasil. Isto pode ser compreendido pela completa falta de integração da indústria Brasileira, que exporta grandes quantidades de insumos básicos com baixo valor agregado como minérios e petróleo para posteriormente importar produtos de maior valor agregado, muitas vezes derivados destes mesmos insumos, como plástico, borracha, produtos químicos, metais e produtos minerais, representando todos estes quase 60% de todas as importações do país no mês de janeiro. O fato de exportarmos insumos e importamos produtos intermediários, como no caso das montadoras na indústria automobilística nacional, pode mascarar a verdadeira fonte da inflação que vem, no caso citado, através do câmbio.


Referente aos transportes tivemos que o aumento de quase 1% no valor da gasolina e mais de 2,5% no etanol foram os maiores contribuintes para a inflação nesta categoria no primeiro mês do ano de 2020. É importante aqui ressaltar que o preço do combustível afeta diretamente praticamente todos os outros preços da economia uma vez que todo deslocamento, quer seja de pessoas ou mercadorias, depende do uso indiscriminado dos mais diversos combustíveis, havendo então impactos secundários em toda a cadeia produtiva nacional.


Todas estas forças estão diretamente associadas ao canal do câmbio uma vez que uma diminuição da SELIC diminui também a entrada de capital estrangeiro e, consequentemente, valoriza o dólar através da queda de oferta, principalmente havendo um déficit na balança comercial brasileira como ocorreu no mês de janeiro. Entretanto, este movimento vem sendo combatido pelo banco central através do uso de reservas de dólar, buscando estabilizar o câmbio e impedir com que seu aumento excessivo afete de forma ainda mais profunda a economia.



(Fonte: MDIC)


(Fonte: MDIC)


Canal do crédito


O canal do crédito funciona pelo incentivo ao investimento e consumo propiciado pelas menores taxas de juros encontradas na economia. Sempre que houver uma queda na taxa SELIC e esta for de fato repassada para a economia real surgem novas possibilidades de investimento que antes eram inviáveis por conta do custo de se tomar recursos. Temos que este canal de transmissão deveria atuar da forma mais simples e direta, tendo então pouco atraso entre a política monetária e seus efeitos inflacionários.


Entre junho de 2019 e dezembro do mesmo ano a SELIC caiu de 7,06 para 4,53 representando uma queda de quase 36%. Isto deveria servir como um importante instrumento de incentivo ao crédito, mas ao olhar para as concessões de crédito no mesmo período, fica claro que não houve aumento significativo, desconsiderando novembro. O mês de novembro merece uma atenção diferenciada pois ocorre nele um aumento sazonal de concessões de crédito para pessoas jurídicas para o pagamento do bônus, décimo terceiro, entre outras obrigações trabalhistas que coage as empresas a tomarem maior volume de crédito neste mês.



(Fonte: BCB)


É relevante também olhar para o movimento da taxa média de juros nas operações de crédito para avaliarmos se o as sucessivas quedas na Selic estão sendo repassadas ao consumidor final. Isto ocorreu ao menos em parte pois uma queda de 3 pontos percentuais na Selic foi acompanhada por uma queda de apenas 2 pontos percentuais na taxa média de juros. É importante também considerar que apesar do movimento ocorrer isto acontece em patamares ainda extremamente altos e absolutamente incomparáveis a qualquer outro país do mundo quando se trata de juros médio para operações de crédito.



(Fonte: BCB)


Em uma grosseira projeção que toma como base o peso relativo do mês de janeiro na inflação anual de todos os anos da série histórica e utiliza a mediana destes valores para calcular a inflação de 2020 chegamos ao valor de 2,02 %. Isto representa que, caso o ano de 2020 siga a tendência da série histórica com relação ao peso de janeiro para o acumulado do ano, o valor esperado da inflação anual seria algo em torno do projetado. Evidente que este método desconsidera incontáveis outros fatores de suma importância mas serve para ilustrar quão baixo foi o resultado da inflação de janeiro, algo nunca antes visto por nosso país.

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