Uma queda na taxa de juros supostamente eleva o investimento, mas será que, em um primeiro momento, é isso mesmo que vem acontecendo?
Antes de tentarmos entender os efeitos reais na economia ocasionados pela queda da taxa de juros básica da economia, a Selic, devemos analisar os mecanismos de ajustes dos títulos públicos.
Mecanismo de ajuste
Tomemos um título público, a Letra do Tesouro Nacional (LTN) como exemplo. A LTN é um título pré-fixado que tem seu pagamento integral, sempre de R$ 1.000 sendo este principal mais juros, ao termino do prazo estipulado. Por conta de seu valor final ser sempre o mesmo o tesouro vende a LTN para seus credores por um valor presente descontado pela taxa de juros de emissão e prazo.
Sendo assim, este título tem uma curva de preço esperada baseada em seu juro ao decorrer do tempo dado pela simples formula de desconto para encontrar o valor presente deste. Entretanto, por conta da existência de um mercado secundário de títulos públicos sua curva de preço de mercado não necessariamente ira seguir a curva de preço esperada. Isto ocorre pois, conforme a taxa de juros varia ao longo do tempo, o preço de mercado do título também varia, visando adequar o juro embutido ao juro real.
Como pode o juro de um título pré-fixado variar?
Apesar de ter seu juro nominal pré-fixado se considerarmos que o juro é uma função do preço de mercado do título com relação ao prazo, seu preço terá uma relação inversamente proporcional ao movimento da taxa de juro. Isto quer dizer que, se houver uma queda na taxa de juro o valor de mercado do título subira e, no caso contrário, com um aumento da taxa de juro, o valor de mercado deste cairá.
(fonte: Tesouro Direto)
Vamos considerar que você comprou uma LTN com vencimento para daqui a três anos com uma taxa de juro pré-fixada de 6%. O valor pago por você na data de emissão deste título será de algo em torno de R$ 839,62. Um ano após esta compra você decide vender este título e, baseado no preço da curva original do título, você espera receber R$ 890.00. Entretanto, ocorreu uma queda na taxa de juro para 4% e, com isto, para adequar-se a esta nova taxa de juro, o mercado está precificando o título a R$ 924,56. Isto ocorre, pois, o título deve atingir R$ 1.000 em seu vencimento independente do juro sendo pago. Agora, se a taxa de juro caiu ele terá uma quantidade menor de juro para atingir o mesmo valor e, consequentemente, deve ter seu valor aumentado e taxa de remuneração diminuída para atingir o mesmo resultado final.
Quais são as implicações deste movimento para o investimento?
Este movimento inverso, que vale para todos os títulos pré-fixados, tem algumas implicações sobre o investimento. Enquanto houver uma expectativa de queda da taxa de juros grande parte dos investidores irá comprar títulos pré-fixados visando ganhos de capital através do aumento do preço de mercado por conta da queda da taxa de juro. Sendo assim, grande parte dos investidores que acreditam que a remuneração básica para títulos pós-fixados se encontra abaixo do esperado irá muito provavelmente apenas comprar títulos pré-fixados de forma especulativa por conta da expectativa de queda da taxa de juro básica. Isto implica não em um aumento do investimento, mas em uma inflação sem precedentes dos títulos públicos pré-fixados e ganhos garantidos para o investidor.
(fonte: Tesouro Direto)
Quais são os dados?
No dia 20 de maio de 2019 o valor para a compra de uma LTN com vencimento no primeiro dia de 2022 foi de R$ 820,43 tendo uma taxa de juro embutida de 7,73%. Passados 2 meses, no dia 22 de julho de 2019, o mesmo título já tinha o valor de R$ 866,04 com uma taxa embutida de 5,94%. Caso a taxa de juro tivesse se mantido constante em 7,73% o investidor teria recebido algo próximo a R$ 828. No gráfico abaixo pode ser vista a discrepância entre o preço esperado da curva com juros constante e seu verdadeiro preço de mercado por conta das adequações as mudanças na taxa de juro. Neste prazo de dois meses o investidor viu um retorno de 5,54 % por conta dos ganhos de capital mais juros. Isto chega a um impressionante retorno anualizado de 35,28% em um dos investimentos mais seguros existentes no Brasil.
A remuneração do investimento
Para que um investimento seja viável existe sempre um custo de oportunidade envolvido em “congelar” recursos por determinado período de tempo. Sendo assim, todo investidor irá considerar quais são suas possíveis alternativas baseadas no risco e remuneração dos diferentes investimentos. A taxa de juros básica da economia é muitas vezes utilizada como medidor deste custo de oportunidade uma vez que é um dos investimentos mais seguros e garantidos existentes. Por isso, é comum que qualquer investidor compare suas oportunidades com a Selic. Agora, com a queda da Selic não temos mais um investimento que rende, com segurança, algo em torno de 15 % mas sim 35 %, ao menos em um primeiro momento. É evidente que quando a taxa de juro se estabilizar e não houver mais uma expectativa de queda estes 35% não serão mais uma alternativa.
(Elaboração própria)
O investimento real
Não é possível fazer uma análise justa sem considerar também os verdadeiros efeitos na economia produtiva. A queda na taxa de juro, se repassada para os clientes do sistema bancário como um todo, auxilia sim no aumento do investimento real. A ideia da taxa Selic como um possível custo de oportunidade não se restringe ao capital especulativo. O investidor da economia real requer ganhos ainda mais expressivos por conta do maior risco e prazo envolvido nestes tipos de investimento. Quando a taxa Selic está em 15 % é extremamente difícil encontrar algum tipo de investimento que ofereça um prêmio de risco suficiente para incentivar as pessoas a investirem em qualquer projeto que seja.
O futuro próximo
Assim que os movimentos da taxa Selic se estabilizarem teremos a verdadeira dimensão dos efeitos reais sobre a economia por parte desta brusca queda. Por enquanto só nos resta esperar e acompanhar os movimentos, talvez com algumas LTNs em nosso portfolio, ou será que chegamos tarde?
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