Desde suas origens, o sistema tributário brasileiro tem sido considerado complexo e confuso. Com a promulgação da Constituição de 1988, havia uma expectativa de simplificação; no entanto, novos impostos surgiram, aumentando ainda mais a complexidade do sistema. Desde então, todos os governos tentaram suas próprias reformas tributárias, sem sucesso. Somente no último ano a PEC 45 obteve apoio político suficiente para avançar no extenso processo burocrático rumo à sua possível aprovação. Agora, a PEC 45, mesmo tendo sofrido diversas deturpações em relação à sua proposta inicial, segue para o próximo passo: o Senado Federal.
Sem me aprofundar nos detalhes e no intenso lobby promovido por certos setores, gostaria de abordar a visão míope do municipalismo, principalmente por parte de prefeituras de cidades médias com alta renda. Esse municipalismo, ao se preocupar exclusivamente com a manutenção das receitas atuais, ignora que a nova proposta sugere uma maior centralização decisória no governo federal após um longo período de transição. As prefeituras argumentam que suas responsabilidades permanecerão as mesmas, enquanto a receita das cidades médias sofrerá uma queda. Isso ocorrerá devido à mudança no modelo de repasses, que passará a considerar o número de habitantes, e não a renda gerada. Tal alteração desfavorece os municípios médios de alta renda, beneficiando grandes municípios e pequenos municípios de baixa renda.
Hoje a discussão política no em torno da proposta está pautada principalmente na resistência das prefeituras de cidades médias de alta renda em aceitar a necessidade de mudança. Como municípios de alta renda, seus gestores se sentem no direito de colher frutos de sua “boa gestão”, não dividindo seus resultados com os demais municípios. Assim, defendem a manutenção do modelo atual, com seus incentivos econômicos distorcidos, que promovem uma competição entre municípios para atrair grandes empresas – uma situação que privatiza os lucros e não incentiva novos investimentos. O resultado é um net loss (perda líquida) para a sociedade civil, enquanto certos municípios aumentam suas receitas por meio de decisões que reduzem a arrecadação total e elevam os custos para os consumidores.
Não que os critérios propostos pela reforma (como o critério populacional para calculo de repasses) sejam ótimos. De fato, diversos aspectos técnicos precisam ser discutidos, mas sem deturpar a lógica equitativa da proposta. Sem favorecer um medo de mudança em detrimento da racionalidade econômica. Para mudar, é necessário coragem e disposição. Não podemos permanecer estáticos pela sobrecarga de escolha. E é fundamental discutir os detalhes essenciais, mas sem uma contestação total da proposta.
A reforma é longe de perfeita, principalmente considerando as mudanças propostas por visíveis "forças ocultas". Ainda assim, é um primeiro e importante passo na direção correta. É o politicamente possível em nosso atual cenário e, diga se de passagem, uma proposta com uma transição extremamente acomodativa. Apesar disto, a proposta engendra muitas mudanças que serão necessárias para o futuro. Mudanças na forma como os governos federais, estaduais e municipais interagem. Mudanças nas obrigações de cada esfera. Mudanças alocativas. Todas estas serão indispensáveis e causadas pela concepção intelectual da atual reforma tributária.
E que fique bem claro: a contestação total da proposta de reforma tributária implica necessariamente na manutenção do sistema atual. Levou anos para que esta proposta chegasse a esta etapa do processo. Não se deve presumir que uma nova proposta progredirá rapidamente. É o momento de apoiar o que ainda não é certeza, de debater os detalhes pertinentes sem comprometer os princípios fundamentais da proposta. E, finalmente, de trabalhar para que a reforma seja aprovada com o mínimo de concessões a interesses questionáveis de certos grupos. É hora de pragmatismo.
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