Este foi meu PROJETO DE PESQUISA PARA MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO ECONOMICO apresentado para o UNICAMP em setembro de 2021. O projeto deve ser compreendido como diretrizes gerais para efetiva elaboração de uma dissertação completa. O projeto não foi selecionado para admissão e segue inalterado.
Catching-up, China, Middle-Income Trap, Política Indústrial, Veículos Elétricos.
Resumo: A China apresenta 3 diferentes etapas de desenvolvimento, a primeira, “Made in China”, a segunda, “Going out”, e, por último, “Developed by China”. Cada uma destas etapas, com suas mais diversas assimetrias, representa uma peça fundamental para conceber o mosaico que permitiu o desenvolvimento chinês até o momento. Entretanto, a China está adentrando no que denominamos de middle-income trap (MIT), momento que apresentou barreiras instransponíveis para o catching-up de diversos países. Existem indicações que o país está bem posicionado para superar o MIT, mas este é um momento decisivo para a plural e heterogenia trajetória chinesa. Este projeto tenta construir uma sintética imagem de alguns aspectos que fazem do desenvolvimento chinês uma história tão peculiar que moldou, e foi moldada, pelo cenário global apontando para a indústria de veículos elétricos como uma provável geradora de inovação autóctone e grandes empresas.
Introdução: Com mais de um bilhão de habitantes e dimensões continentais, a China é um dos mais intrigantes fenômenos desenvolvimentistas da história recente. O país segue uma trajetória fenomenal de crescimento econômico, tendo o Produto Interno Bruto (PIB) saltado de US$ 348 bilhões em 1989 para quase US$ 15 trilhões em 2020 (TRADING ECONOMICS). Isto colocava a economia chinesa, em 1989, como a 11a maior economia do mundo sendo que, em 2020, ela já figurava como a 2a maior. A trajetória de desenvolvimento chinês elevou o país de nação periférica, fechada e isolada, para fábrica do mundo nos anos 2000 e, hoje, contestante à hegemonia global. Este trabalho busca analisar as etapas de desenvolvimento deste complexo país sob a ótica neo-schumpeteriana, em que a inovação autóctone aparece como pilar fundamental para se ingressar nas mais avançadas etapas de desenvolvimento mundial. O processo de catching-up pode ser almejado das mais distintas formas, mas, tendo a inovação como peça chave, é sempre necessário olhar para as capacidades internas, as grandes empresas e as barreiras existentes (LEE, 2019). Dentro deste trabalho, a China será caracterizada por 3 diferentes etapas de desenvolvimento, a primeira, “Made in China”, a segunda, “Going out”, e, por último, “Developed by China”, sendo as duas ultimas o escopo deste estudo. Cada uma dessas etapas contém diversas heterogeneidades que dão vida ao mosaico do desenvolvimento chinês. Todas as etapas são compostas por, ao menos, duas diferentes fases que, através das mais diversas políticas industriais e econômicas, conduzem o desenvolvimento para um objetivo comum. A primeira etapa, “Made in China”, ocorre entre o período de 1978 e o início dos anos 2000. Esta etapa foi responsável pelas maiores reformas no país, permitindo que a China deixasse de ser uma economia planificada, com preços e a alocação de recursos definidas quase que exclusivamente pelo estado, para uma economia orientada ao mercado (BRAMALL, 2009). Antes de 1978 as trocas internacionais eram restritas aos países “comunistas”, como a União Soviética. Com o início das reformas de 1978 a economia chinesa começa a permitir que forças de mercado atuem, ainda que de forma muito restritiva. Uma segunda fase que ocorre concomitante com a instauração das forças mercado, é a formação de capacidade produtiva para vender ao mundo. Sob o comando de Deng Xiaoping as reformas chinesas devem ser entendidas não como politicas pontuais, mas como uma abordagem estratégica que, no longo prazo, combinavam a modernização e o forte controle do governo (CABLE, 2017). Assim a economia se orientou em direção a produção de manufaturas para que pudesse, posteriormente, produzir para o mundo. Naughton (2021) evidencia que entre 1978 e o início dos anos 2000 não foram as políticas industriais e o planejamento estatal que guiaram a economia, mas sim as reformas de mercado. O autor descreve um processo em que a China tomou uma posição gradualista frente a reforma econômica, pois o governo temia que um rompimento pudesse levar à instabilidade. Inevitavelmente, isto implicou em um processo heterogêneo de abertura, partindo de diferentes setores em distintos momentos. De forma genérica, o autor considera que as reformas partiam dos setores que enfrentavam maiores problemas e tinham a menor rentabilidade. As reformas tiveram relativo sucesso no enfrentamento dos problemas mais críticos, assim permitindo uma continuidade no desenvolvimento. A primeira etapa do desenvolvimento chinês serve como pano de fundo para este trabalho ao contextualizar as etapas seguintes, dado que nosso foco será no período após a entrada da China na OMC. É apenas em 2001, onde tomamos o ingressar do país na OMC como marco, que a economia chinesa passa a ser aberta ao mundo. A política do governo chinês de “Going Out” vai na mesma direção do fenômeno internacional de globalização das Cadeias Globais de Valor (CGV). Não se pode compreender o fenômeno chinês sem olhar para o contexto global que o país se insere. Segundo Lazonick (2000), entre as décadas de 1960 e 1970, houve uma mudança estrutural na forma como as empresas internacionais atuavam. A partir de um acirramento da concorrência internacional, as grandes empresas deixaram de se orientar pelos princípios de “reter lucro e reinvestir” passando para a lógica de “diminuir custos e distribuir lucro”. A mudança na lógica empresarial pode parecer irrelevante para o contexto internacional, principalmente para uma economia que era praticamente fechada, como a China. Entretanto, esta afirmação não poderia ser mais longe da realidade. Com a disseminação da logica de se maximizar o lucro, passam a ser as CGV que condicionam grande parte da estrutura local produtiva, sendo que a determinação hierárquica deriva de decisões tomadas pelas grandes empresas. Este movimento resulta em uma redefinição da capacidade de agregação de valor das etapas do processo produtivo que são, cada vez mais, definidas pelas grandes empresas internacionais (ARAUJO & DIEGUES, 2021). O processo de internacionalização das cadeias produtivas em sua reestruturação se orienta pela concentração no core-business, a acumulação de ativos intangíveis e a busca por maior flexibilidade. Métodos estes que vem em reposta a pressão competitiva, a maior instabilidade macroeconômica e as exigências de retorno mais elevado impostas pela financeirização (HIRATUKA & SARTI, 2017). Foi justamente o processo de internacionalização das CGV que fez com que as grandes empresas internacionais se desvinculassem da produção e terceirizassem parte desta para locais mais baratos (BRANDÃO et al, 2019). Neste contexto, o cenário internacional das novas CGV estava dado para que os países com vantagens competitivas, como a mão de obra barata, pudessem ingressar como produtores (NOLAN, 2012). Na tabela 1 podemos observar a evolução da participação chinesa nas manufaturas mundiais buscando compreender a intensidade que o fenômeno supracitado ocorreu. Enquanto em 1978 a China representava apenas 0,76% das exportações mundiais, em 2020 o país já conquistava quase 15% das mesmas. É possível observar que a taxa de aumento da curva cresce significativamente com o ingressar da China na OMC, na virada do século.
Tabela 1: Participação percentual da China no total de exportações mundiais de 1978 até 2020.
Fonte: Elaboração própria com dados UNCTADSTAT.
Apesar de tomarmos a entrada da China na OMC como ponto de inflexão, Naughton (2015) pontua que as mudanças no paradigma do desenvolvimento chinês já começam a se tornar visíveis a partir de 1993. Essas mudanças são, em 1993, ainda embrionárias e pontuais, mas já começam a mostrar os movimentos que seguiriam as próximas décadas, como, por exemplo, uma retomada das políticas industriais (LING & NAUGHTON, 2016). Um marco da etapa de “Going Out” chinês é a adoção do Medium and Long Term Program of Science and Technology (MLP) em 2006. Este ainda não representava uma efetiva política industrial, mas estabelecia algumas diretrizes que deveriam ser seguidas entre 2006 e 2020. Pela primeira vez um planejamento central enfatizava a necessidade de inovação autóctone como um pilar do desenvolvimento econômico (DIEGUES & ROSELINO, 2021). Além disso, o MLP estabeleceu 16 megaprojetos que receberiam financiamento desde que se adequassem a alguns objetivos da política industrial. Era esperado que os megaprojetos eliminassem alguns gargalos e contribuíssem para um desenvolvimento saudável, competitivo e inovativo da indústria nacional (NAUGHTON, 2015). Uma segunda fase da etapa de “Going Out” aparece com o programa das Strategic Emerging Industries (SEI). Este programa é muitas vezes compreendido como uma
continuação do MLP, mas existem diversas diferenças entre eles. A mais marcante diferença reside na forma de atuação do Estado: enquanto no MLP o Estado financiava inteiramente os projetos, no SEI a sua obrigação é “criar o mercado”, desenvolvendo condições prosperas para que empresas possam se desenvolver e crescer (HIRATUKA & DIEGUES, 2021). Nolan (2001) descreve a forma como o governo chinês preparou as empresas do “national team” para se tornarem empresas campeãs dentro e fora do país em setores estratégicos. Este movimento começa antes da entrada chinesa na OMC, mas serve como indicador da pluralidade do planejamento estratégico que ocorre paralelamente com as outras políticas previamente descritas. Vale ressaltar que, ao contrario do que poderia sugerir uma interpretação linear e etapista do desenvolvimento chinês, durante cada uma das etapas aqui descritas, as características da etapa anterior não desaparecem do processo geral, apenas deixam de ser o objetivo central. Isto permite uma coexistência entre diferentes tipos de política industrial e econômica, dando uma sólida base produtiva que passa a incorporar as etapas anteriores como parte deste dinâmico processo que, em última instancia, chamamos de desenvolvimento chinês (DIEGUES & ROSELINO, 2021). O catching up em sua forma mais pura discute a capacidade de um país em se aproximar dos países desenvolvidos. Dessa forma, o próprio conceito de catching up cria um paradoxo: é possível tornar-se um país fronteira através de catching up? Para Keun Lee (2019), a respota é não. Para isso é necessário que o país produza inovação autóctone buscando alguns atalhos que permitam a chegada na fronteira. É neste contexto que a discussão sobre o middle-income trap (MIT) aparece. O MIT se caracteriza pelo momento onde a grande maioria dos países em desenvolvimento estagnam em sua trajetória. Ou seja, estes países se desenvolvem rapidamente até determinado ponto, ainda muito abaixo da fronteira, e, ao chegar neste ponto, veem uma desaceleração em seu processo de catching-up. Autores como Diegues e Roselino (2020), Keun Lee (2019) e Glawe e Wagner (2017) reforçam a ideia de que a China está adentrando no que denominamos de MIT. Existem indicações que o país está bem posicionado para superar o MIT, mas este é um momento decisivo para a plural e heterogenia trajetória chinesa. O “developed by China” traz à tona a discussão das maneiras como o país vem se preparando para não cair na armadilha da renda média. No contexto neo-schumpeteriano, onde a inovação autóctone toma papel central para a trajetória de desenvolvimento das economias, é necessário olhar para o posicionamento do país em setores chave. Setores estes que tenham alta capacidade de gerar grandes empresas, elo fundamental de uma estratégia exitosa de catching-up (KEUN LEE & MALERBA, 2017). Assim, este trabalho olha para uma indústria que ainda engatinha, mas com imenso potencial gerador de grandes empresas e spillover: a indústria de veículos elétricos. A indústria de veículos elétricos tem como mercado potencial essencialmente todo o mercado automobilístico, além de outras formas de locomoção. Desta forma, esta pesquisa busca analisar a trajetória de catching-up chinesa após 2001 e o caso dos veículos elétricos. Ademais, este trabalho defende a hipótese que a China teve, até agora, uma trajetória de grande sucesso em seu catching-up, entretanto o país passa por um momento decisivo caracterizado pelo MIT, onde a indústria dos veículos elétricos representa uma oportunidade para se desenvolver grandes empresas e inovação autóctone.
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