Desde o começo de fevereiro o mercado mundial vem sofrendo variações diárias sem precedentes em grande medida por medo do corona vírus entretanto, seria todo este alarde justificável? Em meio a tantas informações desencontradas e muitas vezes excessivamente alarmistas é necessário ponderar todo tipo de notícia em busca dos verdadeiros riscos e impactos que o vírus já vem tendo sobre a economia real.
COVID-19
Antes de avaliarmos os impactos econômicos que o corona vírus pode, e vem tendo, sobre a economia é de suma importância compreender exatamente com o que estamos lidando pois, sem esta compreensão, todo tipo de análise não passa de futurologia especulativa por ser infundada de fatos concretos. Tomemos como ponto de partida as informações da organização mundial da saúde (OMS):
“Corona vírus são uma grande família de vírus que causam doenças variando dos mais simples sintomas, similares a uma gripe comum, até mesmo, nos casos mais graves, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-COV). O COVID-19 é uma mutação deste vírus que ainda não tinha sido identificado em humanos”
O COVID-19 é o sétimo membro da família de corona vírus a infectar humanos por isso, existe uma abundância de informações que podem ser extrapoladas a partir das infecções anteriores devido ao seu similar código genético (Zhu N, Zhang D, Wang W, et al.). Apenas duas outras versões do vírus são conhecidas por terem ligação direta com casos fatais, o MERS-COV e o SARS-COV. Houve em 2002 um surto de SARS-COV no oriente médio e em 2012 um surto de MERS-COV. O surto de 2002 contou com 8.096 infectados e 774 mortes enquanto o surto de 2012 teve apenas 2.494 casos confirmados, mas 858 mortes. A atual versão do vírus, o COVID-19 vem tendo uma abrangência exponencialmente maior, mas uma taxa de mortalidade expressivamente menor. Os números mais atualizados para o COVID-19 são: 100.719 casos e 3.412 mortes.
(fonte: Organizacao Mundial da Saúde - 06/03/2020)
Quando olhamos para a letalidade dos “pais” do COVID-19 é compreensível que, em um primeiro momento, houvesse grande preocupação por parte das autoridades com a propagação da doença. Isto pois, se considerarmos que a capacidade de propagação do COVID-19 é incomparavelmente maior que de suas versões anteriores, e sua taxa de mortalidade era ainda desconhecida, seria como “brincar com a sorte” não tomar medidas extremas para a contenção do vírus. Dado que o vírus foi capaz de infectar grande parte da China em poucos dias e tinha supostamente uma taxa de letalidade acima de 10% a não implementação de todas medidas de contenção possíveis é equivalente a considerar 10 % de toda a população da região como descartável. Fica então compreensível a razão por trás da construção de um hospital de mais de 1.000 leitos em Wuhan entre todas as outras medidas extremas tomadas pelo governo chinês durante o início da propagação do vírus.
Agora, em um momento posterior ao início da crise, quando já temos mais informações sobre a doença, ela se mostra felizmente muito menos grave e agressiva que o esperado. Isto pode ser comprovado não somente pelo seu índice de mortalidade quase 3 vezes menor que o do SARS-COV mas também pela baixíssima incidência de casos graves entre pessoas fora dos grupos de risco. Para pessoas entre 0 – 19 anos de idade a taxa de mortalidade do COVID-19 fica em torno de 0.1% algo similar a taxa de mortalidade da influenza sazonal para todas as idades. Ainda assim, o risco não é desprezível, principalmente para pessoas com mais de 80 anos, para as quais o risco é altíssimo, chegando a cerca de 15%.
(fonte: Organizacao Mundial da Saúde)
Além do risco muito mais baixo que o esperado temos também uma significativa redução no número de novos casos e até mesmo a quase inexistência de novos casos na china, epicentro da crise. Ainda assim há diversos lugares onde o vírus ainda se propaga, mas em escala imensuravelmente menor que o ocorrido na china, como fica claro ao olharmos para o gráfico de casos acumulados. Todas estas informações servem como fortes indícios que o ápice do desenvolvimento do vírus já passou, entretanto, resta avaliar os impactos econômicos que o vírus provocou.
(fonte: Organizacao Mundial da Saúde)
Os impactos na economia real
Por conta do COVID-19, ocorreu a paralização da província Chinesa que tem Wuhan como sua capital, Hubei. Esta província abriga uma população de aproximadamente 60 milhões de pessoas e tem a sétima maior contribuição para o PIB do país entre todas as 31 províncias chinesas. A região é também conhecida por ser o principal centro de transporte e distribuição de toda a China central.
A paralização compulsória de tamanha região representa para o país um grande choque pois diminui não somente a produção econômica, mas também a demanda por bens e serviços de forma generalizada. Esta diminuição não pode ser considerada isoladamente pois existem efeitos de contágio que influenciam todas as outras províncias. Além de que, apesar desta província ser a mais afetada pela doença com 67.707 casos houve também 13.152 casos nas outras províncias chinesas representando então mais de 16 % dos casos no país. Se considerarmos que todas as regiões com mais de 1.000 casos (Hubei, Henan, Zhejiang e Guangdong) tiveram uma queda de 25 % na produção durante o período de 1 mês temos uma perda de 76 bilhões de dólares, ou seja, cerca de 5 % do PIB chinês. Por conta do país ser um grande importador de commodities, principalmente brasileiros, isto pode representar algum impacto real no setor por consequência direta do vírus.
Existe também uma face das catástrofes que, ao menos em alguma medida, neutraliza seus nefastos impactos, a política fiscal compulsiva. Sempre que há algum tipo de catástrofe, existe a necessidade de intervenção governamental que busca amenizar os impactos humanos através de investimentos, benefícios sociais, entre outras medidas, que atuam também perante a economia ao aumentar a demanda por determinados bens e serviços. No caso do COVID-19 os setores de matérias hospitalares, farmacêutico e serviços relacionados a saúde devem se beneficiar substancialmente. Para ilustrar a política fiscal compulsória na China temos a construção do hospital em tempo recorde em Wuhan. Este fato mobilizou uma grande quantidade de dinheiro e pessoas de forma inesperada gerando para todos envolvidos uma renda não recorrente que amortece os danos econômicos da paralização.
Enquanto a China está vendo uma substancial diminuição no número de novos casos e extremamente próxima de levantar a paralisação por conta do vírus, diversos outros países estão nos primeiros dias de surto. Este é o caso da Itália, que tem considerável parte da região norte paralisada e já registra mais de 5 mil casos. Temos também a Republica Coreana e o Iran com mais de 5 mil casos. Apesar de ainda haver certo movimento para conter a disseminação do vírus ao redor do mundo a grande maioria dos especialistas já reconhece que o vírus ira muito provavelmente se disseminar por grande parte do mundo nos próximos anos e que isto não representa nenhuma catástrofe mundial. Evidente que algumas medidas são necessárias para retardar esta disseminação, entretanto os impactos sociais por conta das paralizações não podem sobressair os benefícios de tais.
Impactos sobre os mercados financeiros
Apesar de estarem ocorrendo relevantes impactos reais sobre a economia por conta do Corona Vírus são os mercados financeiros que estão efetivamente desorientados. A começar pelo principal mercado financeiro Chinês, o Shanghai Stock Exchange (SSE), este viu uma queda de aproximadamente 5,25% entre os dias 21 e 28 de fevereiro. Esta queda se torna irrisória frente ao movimento dos principais índices do mundo como o S&P 500 (-12%), FTSE 100 (-11 %), DAX (- 13%) e CAC 40 (- 12%) no mesmo período. A menor queda da bolsa chinesa pode ser atribuída em grande parte a forte presença do governo chinês no mercado financeiro do país e suas diversas políticas de controle de capitais que evitam exatamente estes movimentos exacerbados.
Os mercados financeiros normalmente são tomados como um forte indicador das expectativas futuras da economia uma vez que eles incorporam nos preços de suas ações também as rendas futuras esperadas das empresas. Isto acontece, pois, para avaliar o valor presente de uma empresa, os agentes dos mercados financeiros costumam utilizar um modelo de valuation que tenta estimar os rendimentos futuros de determinada empresa. Ao comprar a ação de uma empresa o agente se torna sócio desta e, por isto, busca utilizar de todos os recursos possíveis para estimar qual o movimento futuro desta empresa. Assim, sempre que há qualquer tipo de choque na economia real os agentes dos mercados financeiros tentam estimar (precificar) quais foram os impactos deste choque e como isto impactara os rendimentos futuros das empresas.
Apesar de contar com diversos modelos de precificação dos ativos (valuation) como o fluxo de caixa descontado, os mercados costumam exacerbar tanto os movimentos de alta quanto de baixa. Existem diversos motivos que induzem a exacerbação dos movimentos nos mercados financeiros como: a tentativa dos agentes de antecipar os movimentos futuros, o efeito riqueza e os diversos vieses psicológicos entre outros. Isto, principalmente em um ambiente de baixo custo de capital (baixa taxas de juros), permite com que imensas oscilações como as atuais aconteçam. A atual disparidade entre os reais impactos do corona vírus e as oscilações do mercado financeiro podem ser atribuídas a todas as causas citadas dando ao vírus uma maior expectativa destrutiva do que ele vem realmente tendo, como visto em seus impactos reais.
Atuação dos governos em crise
Para amenizar estas oscilações da economia real os governos costumam diminuir as taxas de juros (política monetária) visando ampliar o horizonte de investimentos através do menor custo de capital e, assim, amenizar os impactos reais da queda. Entretanto, dado o atual patamar de taxas de juros internacionais existe pouca margem de manobra para os países desenvolvidos atuarem sobre a política monetária. De tal modo, resta a grande maioria dos países desenvolvidos, que estão vendo paralizações, a atuarem perante a economia através de políticas fiscais, ou seja, um aumento de gastos do governo visando incentivar a economia como um todo.
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