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Writer's pictureJose Artur Fortunato

É necessário repensar a atuação dos bancos centrais

Updated: Dec 20, 2020

Desde a década de 70, com a introdução das propostas monetaristas de Friedman, os bancos centrais ao redor do mundo vêm atuando quase que inteiramente com apenas um objetivo: o controle inflacionário. Este objetivo foi almejado em meio ao cenário mundial de estagflação, ou seja, estagnação econômica aliada a inflação. Friedman propôs que, para controlar a inflação seria apenas necessário o controle da quantidade de moeda em circulação. Assim, nasceram algumas premissas básicas que seguiram praticamente incontestadas até a crise do subprime, iniciada em 2007. Estas premissas que regem a atuação da grande maioria dos bancos centrais ao redor do mundo se sintetizam na independência do banco central, para prevenir a discricionariedade monetária e garantir que a quantidade de moeda adicionada na economia não exceda o crescimento econômico e, na atuação do banco central por meio de metas inflacionarias e o mecanismo de Open Market (compra e venda de títulos em mercado aberto) para influenciar a quantidade de moeda em circulação e as taxas de juros.


Hoje em dia, principalmente após a pandemia, a grande maioria dos acadêmicos e pensadores econômicos admite que é necessário repensar a forma de atuação dos bancos centrais. Tanto o Federal Reserve dos EUA (FED) quanto Banco Central Europeu (BCE) tem focado em um único ponto de preocupação: como trabalhar com metas de inflação em um mundo onde as taxas de juros já estão extremamente próximas a zero. Ainda assim, não são só as “ferramentas” dos bancos centrais que precisam ser avaliadas, mas sim a própria existência dos bancos centrais apenas como “controladores da inflação”.


Na crise do subprime, o FED foi elevado ao posto de herói da nação ao inserir alguns trilhões de dólares na economia e atenuar a crise que se instalava. O Quantitive Easing (QE) vem se tornando cada vez mais uma política consistentemente utilizada pelo FED em momentos de estresse monetário. O aumento da necessidade e do uso do QE para salvar as nações trazem consigo alguns efeitos colaterais: as taxas de juros se aproximam de zero e; a distribuição e abrangência desigual destas políticas.


O QE promove uma queda das taxas de juros pois, em sua execução, o FED aumenta a quantidade de moeda em circulação através da compra de títulos públicos e outros ativos. Assim, mais moeda entra em circulação e o preço dos títulos públicos tende a subir, diminuído seu juro intrínseco, ou seja, derrubando as taxas de juros. Com relação a desigual abrangência e distribuição destas políticas, é evidente que o impacto imediato da inflação no preço dos ativos financeiros afeta apenas as pessoas e empresas que atuam nos mercados financeiros, não havendo um repasse do efeito riqueza para a população mais carente. Associado a isto, é possível observar uma menor correlação entre as taxas de desemprego e a inflação salarial nas economias desenvolvidas, ou seja, mesmo quando o desemprego está extremamente baixo, a inflação não tem acelerado. Assim, o cenário de constante QE para atenuar crises empurra cada vez mais as taxas de juros para suas mínimas históricas e dificulta a atuação dos bancos centrais. Quando sua principal “ferramenta” está se esgotando, é necessário (re)pensar em alternativas.


Neste ambiente, o FED vem demonstrando preocupação com os resultados assimétricos que a meta de inflação de 2% pode produzir no país. Sabendo que o banco central tem uma maior capacidade de influenciar a inflação para baixo do que para cima da meta, empresas e consumidores devem esperar que a inflação média deva se manter um pouco abaixo da meta. A expectativa de inflação abaixo da meta torna-se uma profecia autorrealizável e a meta de inflação tende a fracassar consistentemente.


Apesar da crescente preocupação dos bancos centrais em atingir as metas de inflação neste cenário, a preocupação da grande maioria das pessoas reside no fato da política monetária estar muito “frouxa”, contribuindo excessivamente para a inflação especulativa no preço de ativos financeiros de médio/alto risco e o aumento da riqueza dos mais ricos. Comentários feitos à público por Jerome Powell, presidente do FED, em meio aos protestos do Black Lives Matter, sugerem que ele compreende que é extremamente problemático caso uma significativa parcela da população acredite que o FED só faz políticas para beneficiar os mais ricos.


Com a maioria dos Bancos Centrais sinalizando em direção a implementação de metas flexíveis de inflação, a mudança na forma como o FED se preocupa com o desemprego é mais relevante. Este prometeu não mais considerar uma taxa de desemprego extremamente baixa como um problema inflacionário eminente. Para muitos, esta declaração do FED pode parecer obvia, mas não menos bem-vinda, pois demonstra a “boa vontade” da instituição em sustentar baixas taxas de desemprego, talvez até abaixo da Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment (NAIRU).


Em 2020 o FED vem dando uma significativa guinada teórica, não só ao atualizar sua abordagem à inflação, mas também reforçando seu compromisso em servir a todos os Norte Americanos. Entretanto, na realidade, até que haja uma mudança em suas ferramentas, que não dependam mais somente do QE e a orientação das expectativas de inflação, o FED continuará dependendo dos mercados financeiros (mecanismo de open Market) para transmitir a política monetária, não sanando a maioria dos problemas apresentados.


Ainda assim, o FED está à frente da maioria dos outros bancos centrais, principalmente o BCE, pois este estabelece exclusivamente o controle inflacionário como sua meta. Neste contexto, há um caminho teórico e institucional ainda maior que deve ser percorrido na próxima década.


Independente de tudo, o incentivo fiscal dos governos tem que ser mais abrangente e equitativo do que de ganhos de capital pela inflação do preço de ativos financeiros, mesmo que isso obrigue um aumento no endividamento dos governos. Dados do FED demonstram que a riqueza dos 10% mais ricos no EUA aumentou US$5.6 trilhões no segundo quadrimestre de 2020 como resultado da alta do mercado financeiro promovida pelas injeções de capital do FED.


Para os defensores da independência dos bancos centrais, a crise de 2020 pode ter vindo como uma sentença de morte. Isto pois durante a pandemia vimos praticamente todos os bancos centrais atuando de forma discricionária em favor da contenção da crise. Com isso, os monetaristas temem que, se a inflação voltar, os bancos centrais não terão o mesmo ímpeto em elevar as taxas de juros (devido a possibilidade de prejudicar os governos) como tiveram para inserir dinheiro e “salvar” a economia. É compreensível que os bancos centrais queiram manter certa ambiguidade em seu posicionamento sobre o tema uma vez que eles querem manter os benefícios da política fiscal sem prejudicar sua reputação como controlador da inflação.


Sendo assim, fica evidente a necessidade de se repensar os mecanismos dos bancos centrais e, principalmente, quais são seus objetivos. Para que essas instituições possam manter sua credibilidade é necessária uma ampliação de suas funções (além do controle inflacionário) e a busca de mecanismos mais equitativos para que se possam almejar estas novas funções (como no caso do FED que já tem funções mais abrangentes que o controle inflacionário).

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