Aviso: Este documento deve ser lido e compreendido como um esboço dos esforços necessários para combater a crise que se instala no Brasil. O governo federal, os estaduais e municipais devem deixar suas diferenças ideológicas de lado buscando alinhar suas diretrizes para que os trabalhadores da área da saúde possam atuar da forma mais efetiva possível no combate da doença.
Temos hoje, dia 18 de março de 2020, no Brasil, 387 casos confirmados de COVID-19. Com isto, o vírus já passa de uma primeira fase, onde haviam apenas casos importados de contaminação, para a fase de transmissão local da doença. Esta fase abre caminho para três diferentes cenários que irão ditar o ritmo de transmissão da doença e seus impactos perante a sociedade como um todo. Todos os três diferentes cenários já podem ser vistos em países ao redor do mundo e seus impactos sociais são extremamente distintos. Abaixo teremos uma a descrição de cada cenário e seus impactos esperados.
Primeiro Cenário:
Velocidade de disseminação: Lenta - (Korea)
Neste primeiro cenário existe um forte movimento de contenção da doença visando isolar casos suspeitos para desacelerar a disseminação da doença. Aqui há recursos suficientes para tratar todos que tem necessidade, quer seja pelo COVID-19, ou qualquer outra circunstância, durante o período de maior demanda. Estratégias de auxílio a grupos de risco, uma vez identificados, são necessárias. No ápice de proliferação da doença pode haver algum tipo de sobrecarga nos serviços hospitalares em áreas especificas relacionadas a doenças respiratórias. Neste cenário não há perdas humanas desnecessárias uma vez que há disponibilidade de recursos para todos que careçam.
Segundo cenário:
Velocidade de disseminação: Média - (China)
Em um cenário onde a disseminação não foi contida desde os primórdios torna-se necessária uma maior alocação de recursos para combater os danos causados. Aqui a quantidade de infectados deve ultrapassar aquela da influenza sazonal e, não havendo uma alocação adequada de recursos, o sistema de saúde deve ficar sobrecarregado a ponto de não conseguir atender uma significativa quantidade de pacientes. Procedimentos não urgentes devem ser cortados e atividades remanejadas. Devido à inflacionada demanda por serviços hospitalares passa a ser necessária a implementação de modelos alternativos para cuidados clínicos. Aqui o pico de disseminação se dará em um espaço de tempo mais curto e a pressão sobre o sistema será maior. Os próprios funcionários dos serviços hospitalares estarão sujeitos à contaminação ou a fornecer cuidados para suas próprias famílias, aumentando a pressão nos provedores destes serviços. Estratégias de auxílio a grupos de risco serão cruciais para abrandar os nefastos efeitos de contaminação. Aqui será necessário também empregar recursos de outros setores para lidar com a demanda exacerbada, tais quais a utilização de hotéis como hospitais ou a destinação de fábricas diversas para produzir máscaras cirúrgicas. A expectativa de duração deste cenário fica em torno de um mês, tendo aproximadamente 15 dias de escalada na quantidade casos diários e 15 dias de redução.
Terceiro cenário:
Velocidade de disseminação: Alta - (Itália)
Quando medidas para impedir a disseminação da doença só são tomadas após grande escalada no número de casos, a velocidade de disseminação será alta. Neste caso haverá disseminação generalizada e severa, que irá desafiar profundamente a capacidade do sistema de saúde nacional. Áreas de primeiros socorros, cuidados agudos, farmácias, enfermeiras, médicos, e facilidades de cuidados aos idosos serão levadas ao seu limite e ainda assim serão insuficientes. Haverá a necessidade de priorização nos hospitais visando manter os sistemas essenciais e serviços funerários serão também colocados sob pressão. A demanda por médicos e equipamentos será consideravelmente superior a disponibilidade destes. A pressão em todos estes sistemas será mais intensa e crescerá de forma súbita com o ápice de disseminação da doença. Funcionários das áreas de saúde estarão extremamente sujeitos a doença, agravando ainda mais o problema. Todos os recursos serão empenhados no tratamento da doença e, ainda assim, serão insuficientes.
Brasil - Plano de ação
Agora, tendo em mente estes três diferentes cenários, passa a ser necessário empenhar todos os esforços concebíveis para evitar que o terceiro cenário se instale no Brasil. Para isto, é necessária uma coordenação estatal que promova a alocação de todos os recursos disponíveis de forma a identificar os casos da doença, cortar os elos de disseminação, tratar os doentes, fornecer os equipamentos imperativos, garantir a segurança dos prestadores de serviços de saúde e mitigar os efeitos econômicos da doença. É essencial que todos tenham extrema clareza de seus papeis e responsabilidades para responder à crise do COVID-19, uma vez que isto permite decisões assertivas e um uso eficiente e coordenado de recursos. Irei nas próximas secções descrever as obrigações do Governo Federal ao lidar com a pandemia e as responsabilidades estaduais. Aqui serão também reforçados os papeis mais amplos dos serviços de saúde.
Planejamento
Minimizar os impactos do COVID-19 nas comunidades brasileiras e no sistema de saúde como um todo requer uma ação coordenada através de minuciosas medidas de controle da disseminação da doença. O plano de ação deve ser executado em conjunto com as autoridades locais e estar sempre aberto a revisões, uma vez que este é um processo “vivo” e que está se desenvolvendo a cada momento. Estados e municípios devem também desenvolver consistentes e compreensivos métodos operacionais para o sistema de saúde dentro de suas jurisdições.
Outras empresas do setor de saúde são também responsáveis pela elaboração de seus próprios planos que se adequem a este planejamento.
A máxima deste plano é proteger os mais vulneráveis da sociedade buscando, da melhor forma possível, atender às necessidades individuais de cada cidadão.
Monitoramento
Deve ser de competência do governo federal a criação de instrumentos de monitoramento estatístico da doença e a disseminação de informações relevantes a respeito da mesma. Estes instrumentos devem ser utilizados para analisar os impactos do vírus e como os recursos deverão ser utilizados. A rede de monitoramento deve ser criada através da prestação direta de informações de cada estado a respeito da atual condição dos casos. Será também necessário a contribuição do setor privado ao comunicar para a rede de monitoramento estadual e federal as informações relevantes. A não comunicação de qualquer fato relevante a respeito do COVID-19 deve desencadear sanções administrativas entre outras.
Pesquisa e estratégias de controle
É de competência do governo federal montar uma comissão de pesquisa que tenha como objetivo final a criação de um tratamento ou vacina efetiva contra o COVID-19. Esta comissão deve prover de todos os recursos necessários para desenvolver, no menor tempo possível, também um método de produção escalável do tratamento ou vacina. Fica a cargo desta comissão de pesquisa a alocação de uma parte de seu capital humano para analisar e desenvolver as melhores estratégias de controle da doença. Esta comissão será também responsável pela orientação das medidas cabíveis de prevenção e controle.
Controle
Tanto o Governo Federal quanto os governos estaduais são responsáveis pelos aspectos operacionais da contenção do vírus. Deve ocorrer um intensivo rastreamento dos casos confirmados visando isolar aqueles que tiveram contato com a pessoa infectada. A distribuição de insumos básicos de saúde e protocolos de uso devem também ser instaurados. Guias de segurança para evitar a disseminação da doença e controle de qualidade são também essenciais para uma política efetiva de controle. O fornecimento de insumos para testes também é da competência do Governo Federal e Estadual.
Cabe ao governo federal a implementação de medidas de controle de fronteira visando restringir a entrada de pacientes infectados. A entrada de todos os passageiros vindos de países com alto potencial de risco de infecção deve estar sujeita a apurados critérios. É também da responsabilidade de todos a disseminação de conhecimento sobre o vírus e medidas de prevenção simples como a sanitização das mãos.
Ações iniciais
Todas as medidas tomadas nos primeiros momentos de crise devem ter como cerne:
Minimizar a transmissão
Preparar o sistema de saúde pública em antecipação as demandas decorrentes do vírus;
Gerenciamento dos casos e contatos iniciais;
Identificar e caracterizar a natureza do COVID-19 e sua disseminação no contexto brasileiro;
Educar as pessoas sobre a melhor forma de prevenção e empoderar as pessoas a ter controle sobre seu próprio risco de contagio;
Apoiar uma governança efetiva.
Existe uma falta de imunização coletiva diante do novo coronavírus que permite com que ele tenha um alto potencial destrutivo. Ainda que a sua capacidade de transmissão seja um fator limitante de disseminação, ele vem cada dia mais comprovando sua característica destrutiva. Existem então diversas medidas que devem ser implementadas o quanto antes para serem o mais efetivas. Estas medidas devem ser tomadas antes mesmo que haja um significativo número de casos, uma vez que sua disseminação tem se evidenciado extremamente rápida e eficiente. O rastreamento de casos e isolamento, não somente do caso, mas também das pessoas que tiveram contato com o infectado, é de suma importância para minimizar a disseminação.
Plano Operacional efetivo
O plano operacional efetivo consiste em uma atuação em oito diferentes frentes que se sobrepõem visando enfrentar o novo coronavírus da forma mais eficiente possível.
Minimizando a transmissão
A primeira área de atuação para prevenir a disseminação do vírus consiste no isolamento de casos confirmados, como já esclarecido neste documento diversas vezes;
O Rastreamento dos contatos que os casos confirmados fizeram para que se possa orientar estas pessoas ao auto isolamento é também essencial. Para controlar a disseminação dos casos é fundamental uma gestão destes contatos e, por isso, deve haver equipes empenhadas exclusivamente nesta função;
Recomendações públicas sobre a lavagem das mãos e outros métodos que evitam a disseminação do vírus são um dos meios mais efetivos de prevenção;
O controle de fronteiras é também essencial para evitar novos focos de disseminação.
Recursos e insumos
Todos os profissionais da saúde devem ter amplo acesso aos equipamentos de proteção pessoal. De nada adianta conter a disseminação do vírus fora dos hospitais se os médicos tornarem-se vetores de transmissão;
A antecipação do uso de insumos para que sejam feitos estoques dos materiais essenciais é primordial. Uma logística de abastecimento para que não faltem recursos e insumos para tratar dos doentes também;
O monitoramento do uso de recursos e da capacidade instalada deve ser feita diariamente para que faltas de materiais sejam evitadas;
Todos os profissionais da saúde devem ficar em estado de prontidão e comparecer a seus postos assim que chamados;
Profissionais que fazem parte dos grupos de risco devem atender online;
As atividades essenciais do sistema de saúde que independem do vírus não devem parar sobre qualquer circunstância (pronto socorro, atendimentos de urgência, entre outros).
Cuidados clínicos e gestão hospitalar
Gestão de casos e contatos;
Encorajamento ao isolamento voluntario em casos suspeitos;
Planejamento estratégico para idosos e cuidadores uma vez que eles são, em grande parte, o grupo de risco;
Reestruturação interna dos hospitais visando disponibilizar a maior quantidade de médicos disponível sem deixar de executar as tarefas essenciais;
Desenvolvimento de estratégias internas de atendimento;
Auxilio nas investigações de casos suspeitos;
Criação de equipes de rastreio de contatos;
Orientação dos médicos e enfermeiras sobre a lavagem das mãos e outras medidas essenciais que auxiliam na prevenção da transmissão.
Monitoramento
Analise dos casos confirmados visando projetar a necessidade de insumos em cada região/foco;
Desenvolver classificações necessárias para os diferentes casos;
Confirmar se os grupos de risco no Brasil estão se alinhando com os grupos de risco de outros países;
Análise dos casos internacionais e identificação de padrões que podem ser úteis para decisões estratégicas de alocação de recursos, entre outras;
Disponibilizar dados estatísticos para que as universidades possam conduzir suas próprias pesquisas;
Monitorar a sustentabilidade do próprio sistema para que este não prejudique o andamento das operações essenciais.
Laboratórios e pesquisa
Isolar o vírus;
Desenvolver métodos para teste em massa com baixo custo;
Caracterização e sequenciamento genético para entender sua evolução e permitir estudos diversos;
Equipe de pesquisa e desenvolvimento para tratamento e vacina.
Comunicação
Fornecer recomendações de saúde pública para a população geral;
Fornecer recomendações para pessoas em estado clínico;
Compartilhar informações sobre o estado de disseminação da doença e os riscos associados a isto;
Educar e auxiliar o grupo de risco sobre sua responsabilidade e risco;
Fornecer informações exigidas pela organização mundial da saúde.
Controle de fronteiras
Implementar um extensivo controle de fronteiras com um processo de triagem de sintomas;
Orientar todos funcionários da fronteira sobre possíveis risco de contagio.
Governança pública
Gestão e alocação adequada de recursos;
Implementação de leis provisórias para permitir o combate mais efetivo;
Adequação aos requisitos da OMS;
Adequação aos requisitos do FMI;
Coordenação de um time de resposta internacional (se possível).
Referencias:
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